A questão ecológica é um dos grandes desafios do nosso tempo, ponto de discussão e preocupação quer de líderes políticos, quer da sociedade civil. Sabe-se hoje que a crise ambiental tem impacto em situações de injustiça e de pobreza à escola global, razão pela qual já não pode ser olhada de forma isolada.
Ao longo dos últimos meses, o projeto Ca(u)sa Comum tem vindo a promover a reflexão e o diálogo sobre Ecologia Integral, ou seja, sobre uma leitura integrada dos problemas ambientais. O que inclui alargar a escala de intervenção ao ser humano e à sociedade. O objetivo é provocar o reconhecimento do mundo como uma casa (e causa) comum e contribuir para a construção de uma sociedade mais consciente e comprometida com um mundo mais justo, equitativo e sustentável.
A Fundação Gonçalo da Silveira e a Associação Casa Velha, parceiros neste projeto, estão a intervir em dois eixos procurando, por um lado, o diálogo entre diferentes atores e organizações e, por outro, envolver, sensibilizar e capacitar a comunidade educativa para esta matéria.
Um diálogo entre organizações da sociedade civil
Como falar de Ecologia Integral sem integrar diferentes organizações da sociedade civil com uma palavra a dizer nesta matéria? Organizações de Ambiente e de Educação para o Desenvolvimento têm objetivos confluentes mas um trabalho conjunto ainda incipiente. Como explica Sandra Fernandes, da equipa de Cidadania Global e Desenvolvimento da Fundação Gonçalo da Silveira,“existem duas estratégias nacionais distintas – na área do ambiente e na área da educação para o desenvolvimento. Acreditamos que, na realidade, estas duas áreas têm pontos comuns. Explorar estes pontos comuns pode ser um dos grandes contributos deste projeto.”
Foi este o motivo que levou a equipa a criar momentos em que estas organizações se pudessem encontrar, conhecer e perceber que caminho é que pode ser desenvolvido em conjunto. E vários passos já foram dados. Desde o início do projeto, em setembro de 2016, já foram realizados três encontros de trabalho e encontrado um tema a abordar: os bens comuns, entendidos enquanto bens comunitários e globais. O objetivo será refletir de forma crítica este tema a partir da problematização do modelo económico e do modelo educativo vigentes.
Para já, tem sido sobretudo evidente que “as organizações estão muito interessadas neste espaço de trabalho conjunto porque oportunidades como esta são raras”, sustenta Sandra Fernandes.
O papel da Educação para a Cidadania Global
Neste caminho de provocar mudança, é fundamental olhar também o modelo educativo. Dele dependerá o aparecimento de alternativas aos modelos atuais, claramente insuficientes para responder aos crescentes desafios ambientais e sociais. É neste sentido que o projeto Ca(u)sa Comum está a formar e sensibilizar a comunidade educativa para a Educação para a Cidadania Global através da Ecologia Integral.
Aqui, nesta ligação à educação formal, estamos a desenvolver recursos pedagógicos, elaborados em formato colaborativo por uma equipa que inclui técnicos da FGS, da Casa Velha, um perito em ecoliteracia¹ e educadores dos dois Agrupamentos Escolares parceiros no projeto: o Agrupamento de Escolas de Caxarias, em Ourém, e o Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, em Lisboa.
Para Sandra Fernandes, a diversidade do grupo tem sido o maior desafio mas também a maior riqueza do projeto: “Alguns dos elementos do grupo estão a lidar pela primeira vez com temáticas de Cidadania Global. Tem sido um percurso interessante, conseguir juntar diferentes visões, sensibilidades, formas de estar. Vai permitir enriquecer-nos mutuamente neste âmbito da Ecologia Integral e da Educação para a Cidadania Global e, sobretudo, criar algo que possa ser útil a terceiros.”
Um desafio que se está a materializar na criação de dois recursos pedagógicos que, depois de experimentados nas duas Escolas, serão disponibilizados em versão papel e online, para que qualquer educador/a possa ter acesso.
“Construir com” versus “construir para”
Esta lógica de trabalho, com os/as educadores/as, é em si mesmo um incrível processo de aprendizagem para todos. Conforme explica Anita Cruz, também da FGS, “são eles (os educadores) que estão diariamente no terreno, com os alunos, a trabalhar uma série de temas e trazem isso, a sua experiência para a construção do recurso. Vão dando pistas para os novos materiais”. Para além disso, complementa Sandra Fernandes, “ao envolvê-las estamos a criar um sentido de apropriação o que mesmo numa perspetiva de disseminação junto de pares é muito mais interessante e muito mais profícuo”.
E nesta abordagem, é fundamental construir um sentido de corpo. Vários encontros de trabalho procuram fomentar esse espírito de união, aliando reflexão e prática vivencial. É disso exemplo a última reunião, realizada em maio na Quinta do Alecrim, em Torres Novas, onde a equipa foi recebida pelo Denis, o “nosso” perito em ecoliteracia, que exemplificou na prática o que vem dizendo na teoria. “Precisávamos todos de sair da nossa zona de conforto e conseguir que o grupo fosse mais grupo. Na Quinta, o Denis mostrou-nos a horta, explicou a forma como trabalha, a ligação que existe à comunidade, etc, e a partir daí trabalhamos todos esses temas de forma muito mais descontraída”, relata Sandra Fernandes.
“Gostávamos que este projeto não fosse apenas “enformado” nestes dois anos de projeto mas que desse o mote, fosse o início de outros caminhos conjuntos entre Educação Ambiental e Educação para o Desenvolvimento”, concluem.
O projeto Ca(u)sa Comum – Educar para a Cidadania Global pela Ecologia Integral é promovido em conjunto pela Fundação Gonçalo da Silveira e pela Associação Casa Velha – Ecologia e Espiritualidade, contando com o cofinanciamento do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.
¹ Ecoliteracia é a vertente pedagógica da Ecologia e tem por objetivo dar a conhecer as dinâmicas da ecologia integral e viver de acordo com estas. Desenvolve-se tanto em contextos formais, como não formais, pois é uma tentativa de contextualizar e valorizar o conhecimento de acordo com a sensibilidade das pessoas e seus lugares.