Começo por contextualizar a instituição que organizou as jornadas. O Hegoa, Instituto de Estudios sobre Desarrollo y Cooperación Internacional, é um instituto da Universidad del País Vasco/EuskaI Herriko Unibertsitatea (UPV/EHU), criado em 1987 pela universidade em conjunto com a associação Hegoa. A identidade do Hegoa vai transitando entre ser um instituto universitário e uma organização da sociedade civil com um âmbito de trabalho na promoção do desenvolvimento humano e da cooperação internacional.
As jornadas resultaram em 2 dias muito interessantes e cheios de informação onde conheci e partilhei grupos de trabalho com gentes de vários sítios: País Basco, Maiorca, Sevilha, Madrid, Granada, etc., ligada sobretudo a universidades e a organizações da sociedade civil. O programa estava estruturado com uma parte dedicada a comunicações, diálogos, reflexões de pessoas com diferentes históricos e experiências neste “universo” da Extensão Universitária Crítica, e outra parte dedicada à partilha reflexiva entre as várias pessoas participantes sobre práticas e experiências de Extensão Universitária Crítica e à construção conjunta de uma declaração final das Jornadas. Podem consultar aqui o programa.
No 1º dia das jornadas, dia 23 de maio, no auditório da Facultad de Ciencias Políticas y Sociologia, o início foi o esperado, ou seja, houve acolhimento formal e as palavras institucionais do Hegoa, da Universidad de Granada e da agência de cooperação espanhola. Gostaria só de realçar que a Universidad de Granada tem um vice reitorado dedicado às relações com o exterior (Vicerrectorado de Extensión Universitaria, Patrimonio y Relaciones Institucionales), cuja existência foi destacada enquanto fundamental para que a Extensão, enquanto pilar do ensino superior, ganhe relevância ao nível institucional.
Logo a seguir escutámos uma Presentación pela voz do Juanjo Celorio e da Iris Murillo, do instituto Hegoa, focada nos resultados de um Diagnostico exploratorio sobre extensión universitaria en 8 universidades del Estado español. O diagnóstico será publicado mais tarde. Até lá podemos aceder a algumas informações que já estão tratadas, que têm relação com perceções e imagens sobre “extensão universitária crítica” e do que as pessoas nestas instituições pensam ser o seu papel no ensino superior. Durante a comunicação dos dados que foram tratados, fui fazendo muitas ligações a vários processos que se vão desenvolvendo no projeto Escolas Transformadoras. Se conseguirem aumentar as imagens vão poder ver alguns dados interessantes, como por exemplo o que acham as pessoas que é Extensão Universitária Crítica; quem participa nesses processos e como acham que participam; e os objetivos deste trabalho exploratório.
A Ponencia estava reservada para a importante partilha do Humberto Tommasino, educador da Universidad de la Republica, Uruguay, ligado a vários processos históricos da Educação Popular na América Latina. O Humberto foi fazendo um histórico do que chamou “desenclaustralização” da universidade, ou seja, o processo em que as aprendizagens feitas nas universidades foram começando a sair dos seus muros. Foi um momento muito interessante onde sobressaiu o papel da América Latina na construção do papel da extensão, não só enquanto processo educativo, mas também de questionamento dos poderes instituídos. Chamou-me à atenção que, em tempos, este pilar a que chamamos extensão universitária, era designado por “vínculo entre universidade e setores populares”.
Depois da pausa, seguiu-se um interessantíssimo Diálogo entre Florencia Brizuela e Diana Granados a partir do mote Feminismo, antirracismo, y antimilitarismo. Propuestas para repensar la universidad y su compromiso con la transformacion ecosocial. A Florencia e a Diana foram complementando as suas reflexões no sentido da importância do questionamento de poderes e da interseccionalidade entre temas e problemáticas nos processos transformadores e da difícil integração destes processos em estruturas universitárias. O cruzamento entre as lutas estudantis, ativismos e a extensão universitária crítica, foi muito presente durante este diálogo (e, pensando bem, durante todas as jornadas).
Para a última parte da manhã, estava programada uma Mesa de experiencias inspiracionais denominada En busca de inspiración: experiencias transformadoras de articulación universidad-sociedad. Foram convidadas várias iniciativas e pessoas que ligam a universidade a lutas sociais: a Red Universitaria por Palestina – RuxP -, o Antirracismo Granada e La Madraza – Centro de Cultura Contemporánea UGR. Foram partilhas que se foram inter-relacionando com muitas das discussões presentes no ensino superior em Portugal, principalmente quando se fala no envolvimento e participação de estudantes, uma vez que têm como base temas e espaços concretos que ajudam não só a unir estudantes, docentes e sociedade civil de uma forma intencional, como também procuram envolver a universidade numa dimensão não neutral e transformadora da sociedade.
Todos os vídeos desta manhã estão disponíveis aqui
A parte da tarde foi reservada para Trabajo en grupos com metodologias participativas em torno da Extensão Universitária Crítica. Cada grupo tinha um tema:
- Grupo 1. Sujetos críticos
- Grupo 2. Integralidad de las funciones universitarias
- Grupo 3. Comunicación transformadora
- Grupo 4. Construcción de conocimiento-acción
A metodologia foi simples. Cada pessoa escrevia Felicitaciones, críticas e propuestas sobre a extensão universitária crítica que depois foram organizadas e agrupadas num esquema onde estavam expressas as várias pessoas e estruturas envolvidas a partir da universidade: Alumnado; Profesorado; Organizaciones sociales; Personal de administración y servicios e Sociedad general.
Destaco uma das Propuestas que foi lá deixada. Uma das pessoas do grupo propôs continuar a fazer um caminho mais continuado e aprofundado com as 8 universidades com as quais o Hegoa trabalhou no diagnóstico exploratório. Deixei uma propuesta à propuesta para que ponderassem envolver IES aqui em Portugal, dando profundidade territorial e diversidade de experiências à ação.
Depois deste dia, muitas interrogações pairavam sobre o posicionamento das universidades e sobre o papel das OSC neste processo crítico. Fiquei várias vezes com uma sensação que tinham um papel um pouco periférico nestas discussões e várias vezes recorri ao percurso e aprendizagens do projeto Sinergias ED para, enquanto representante de uma OSC e membro da comunidade Sinergias ED, me ir situando. Aproveitei ter ficado no mesmo grupo com a Amaia del Rio, compañera do Hegoa, que há já mais de duas décadas traz reflexões muito importantes sobre educação emancipadora, feminismos críticos e interseccionalidade, e fomos falando sobre estas questões a caminho do próximo momento programado das Jornadas. Foi uma importante e valiosa conversa pelas ruas de Granada.
Também muito valioso (e inesperado) foi esse próximo momento das Jornadas. Pudemos assistir a um programa de rádio/podcast chamado Carne Cruda em direto. Aproveitaram a presença das jornadas de algumas das pessoas envolvidas no processo de tornar a universidade mais ativa nos caminhos da justiça social para convidá-las a uma conversa radiofónica. Foi proporcionado um excelente momento de comunicação sobre temas bem complexos. Houve ainda a atuação da Jihan, “una artista de origen rumano que lleva desde los 7 años en Granada que crea su propio universo con música tradicional rumana, árabe, flamenco y Lorca”. Podem ouvir aqui
No 2º dia, 24 de maio, o dia começou com uma curta caminhada até à facultad para recomeçar onde ficámos no dia anterior. Duas horas de continuação e conclusão do Trabajo en grupos em que foi proposto a cada grupo tecer 4 propostas para serem incluídas numa declaração que trouxesse um posicionamento coletivo das pessoas e instituições participantes neste encontro. Foi um processo coletivo de Puesta en comun muito interessante que desembocou na leitura da declaração no centro da Facultad. Houve lugar a uma referência de agradecimento e apoio aos grupos de estudantes que acamparam por todo o estado espanhol em posicionamento contra a ocupação israelita na Palestina.
A Declaración Final de las Jornadas está disponível aqui.
Para finalizar, como sabem, os encontros não se fazem só de momentos planeados e os espaços informais servem para trocar ideias, inspirações e coisas importantes. Deixo aqui algumas dessas partilhas:
A Bárbara da organização Madre Coraje partilhou vários projetos em curso, mas um deles chamado Actuando para Transformar tem uma iniciativa liderada por estudantes chamada “Not just a Brownie” – Una campaña de concienciación sobre el desperdicio de alimentos, creada por el alumnado de la UGR participante en “Actuando para Transformar” con Madre Coraje.
Em conversa de hora de almoço, com o resguardo das belas árvores dos jardins da universidade, a Florencia Brizuela, que participou no diálogo da manhã, trocou comigo algumas ideias sobre o impacto e formatos do turismo nas cidades, nomeadamente em Lisboa, que tinha visitado recentemente. Falámos das narrativas de passados históricos gloriosos, também presente em Barcelona, onde vive. Partilhou comigo uma iniciativa muito interessante chamada Museos (Im)posibles que dá outras perspetivas e conta outras histórias.
Continuando no momento almuerzo, o pessoal da organização Buenas Migas, responsável por alimentar o grupo, partilhou de onde vinham os alimentos e da importância das circuitos curtos e agricultura agroecológica. Partilhou também uma garrafa de água simbólica com a mensagem da plataforma para la defensa del Agua del Valle de Lecrín.
O Humberto Tommasino, além das conversas e de muita simpatia, partilhou também um panfleto sobre o interessante programa APEX – Programa integral e interdisciplinario de proyección comunitaria, que procura la concurrencia conjunta, integrada y coordinada de los servicios universitarios al espacio comunitario.
(1) As I Jornadas de Extensión Universitaria Crítica: Retos de la Articulación Universidad-Sociedad para Transitar hacia la Transformación Ecosocial, organizadas pelo Hegoa, ocorreram nos dias 23 e 24 de maio de 2024 em Granada. O evento contou com a participação de Hugo Marques, da equipa de cidadania global e desenvolvimento da FGS, que partilhou, por ordem cronológica, a sua experiência e vivência durante o evento. O autor participou nas Jornadas no âmbito do projeto Escolas Transformadoras .